O general Manuel Hélder Vieira Dias Júnior ‘Kopelipa’, antigo chefe da Casa de Segurança de José Eduardo dos Santos, negou hoje actos ilícitos praticados através daquele órgão, instando a justiça a investigar “de onde saiu o dinheiro de Lussati”, actualmente a “frequentar” os tribunais podendo, ou não, dar origem a um… julgamento.
O ‘caso Lussati’, em que estão envolvidos 49 arguidos, tem como rosto visível o major Pedro Lussati, afecto à Casa Militar da Presidência da República, João Lourenço, tido como cabecilha do grupo, que foi detido na posse de milhões de dólares, euros e kwanzas guardados em malas, caixotes e em várias viaturas.
Esta semana eram aguardados com expectiva os testemunhos de generais, ‘Kopelipa’, arrolado entre as duas centenas de testemunhas do processo que decorre no Centro de Convenções de Talatona.
Citado pelo Novo Jornal, ‘Kopelipa’, que liderou a Casa de Segurança do Presidente da Republica (à época, José Eduardo dos Santos) durante 22 anos, negou ter conhecimento de actos ilícitos e assegurou que todas as actividades eram legais e supervisionadas.
“Nunca tomei conhecimento, enquanto exerci as minhas funções, que na Casa de Segurança do Presidente da República haviam desaparecido verbas. Até onde sei, nunca houve desaparecimento de dinheiros”, disse o general, citado no site online do jornal.
‘Kopelipa’ negou ainda ter conhecimento da existência de trabalhadores “fantasmas” e pagamento de salários a activistas ou financiamento de partidos políticos (nomeadamente – é claro – o seu partido, MPLA, no poder há 47 anos), como disseram outras testemunhas.
O general afirmou também que a Casa de Segurança pagava aos seus funcionários apenas em kwanzas, e não usava euros nem dólares.
Sobre os milhões encontrados na posse de Pedro Lussati, ‘Kopelipa’ garantiu que o dinheiro não saiu da Casa de Segurança e desafiou a Justiça a “investigar de onde saiu o dinheiro”.
GENERAIS DE GUERRAS… EM DÓLARES
Recorde-se que os generais “Kopelipa” e “Dino”, ambos próximos (tal como o general João Lourenço) de José Eduardo dos Santos mas que se recusaram a “assassinar” pelas costas o anterior Presidente, estão acusados de vários crimes pela justiça do MPLA (facção João Lourenço), entre os quais os de peculato, associação criminosa e branqueamento de capitais.
“Kopelipa” foi acusado pelo Ministério Público do MPLA dos crimes de peculato, burla por defraudação, falsificação documento, associação criminosa, tráfico de influências, abuso de poder e branqueamento de capitais, num processo que envolveu várias empresas, entre as quais a petrolífera do MPLA, a Sonangol.
Já Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino”, empresário e um dos homens de confiança do falecido Presidente Eduardo dos Santos, é acusado de burla por defraudação e falsificação de documentos, associação criminosa, tráfico de influência e branqueamento de capitais.
No mesmo processo são ainda arguidas as empresas CIF – China International Fund Angola, Plansmart International Limited e Utter Right Internacional Limited, acusadas de burla por defraudação, falsificação de documentos, tráfico de influência e branqueamento de capitais.
Três empresas, que, de acordo com a acusação, fizeram parte de um esquema montado pelos arguidos, que lesou o Estado angolano em vários milhões de dólares.
De acordo com o texto da acusação, tudo começou pelo acordo de financiamento celebrado em 2003 entre o Estado angolano (MPLA) e a República Popular da China, do qual surgiram, a partir de 2004, várias linhas crédito com o EximBank, CCBB-Banco de Desenvolvimento da China e com a Sinosure – Agência Seguradora de Crédito à Exportação.
O esquema terá sido montado quando “Kopelipa” foi nomeado pelo então Presidente José Eduardo dos Santos para responsável do Gabinete de Reconstrução Nacional.
De acordo com a acusação, Manuel Hélder Vieira Dias Júnior e Leopoldino Fragoso do Nascimento, juntamente com outros dois arguidos no processo, “concertadamente engendraram um plano para enganar o Estado angolano e, a pretexto de uma reestruturação, apropriaram-se” de imóveis construídos com fundos públicos e “comercializaram-nos como se deles se tratasse”.
“O arguido Manuel Hélder Vieira Dias Júnior sabia que o Gabinete de Reconstrução Nacional, que dirigiu, enquanto director, era um organismo público, cujas receitas a si atribuídas também eram públicas e destinadas à reconstrução do país (…) Mais sabia que o referido Gabinete não estava vocacionado a conceder empréstimos, sobretudo, a empresas estrangeiras, com quem assinou acordo de investimento estrangeiro em nome do Estado angolano”, refere o documento.
Mas “ainda assim, não se coibiu de, no ano de 2008, conceder um empréstimo, no valor de USD150. 000.000,00 (cento e cinquenta milhões de dólares) à empresa China Sonangol International Limited”.
Além disso, “Kopelipa” “produziu um documento, cujo teor sempre soube não ser verdadeiro”, que “convenceu o Presidente da República” a permitir a entrada de mercadoria com pagamento dos impostos ‘a posteriori’ no país “o que só foi possível devido à posição que ocupava e da qual se fez valer”.
Em resumo, conclui o Ministério Público que os arguidos naquele processo utilizaram as “empresas Cif China International Fund Angola, Plansmart International Limited e Utter Right International Limited como veículos para o cometimento de crimes”.
Os “arguidos agiram sempre de modo voluntário” e “conscientemente sabiam que tais condutas eram proibidas e punidas por lei”, refere o texto da acusação, datado de 4 de Julho.
E “foi por meio de declarações, que os arguidos tinham conhecimento de serem falsas, que convenceram o antigo Presidente da República a autorizar o Director da Unidade Técnica para o Investimento Privado (…) a assinar e alargar o objecto de contrato de investimento”, acrescentam os procuradores.
Os generais “Dino” e “Kopelipa” foram colegas do então ministro da Defesa, general João Lourenço, não podem ser presos preventivamente antes do despacho de pronúncia, na fase de instrução contraditória, pois “gozam de imunidades”.
“Os oficiais generais das Forças Armadas Angolanas e comissários da Polícia Nacional não podem ser presos sem culpa formada, excepto se em flagrante delito, por crime doloso punível com pena de prisão superior a dois anos”.
Em Fevereiro de 2020, o Serviço Nacional de Recuperação de Activos, da PGR, apreendeu os edifícios CIF Luanda One e CIF Two, na posse da empresa de direito angolano China International Fund Angola, sem precisar os motivos.
Os edifícios em causa, os mais altos daquela zona, com 25 andares, estão localizados no distrito urbano da Ingombota, em Luanda, próximo da antiga Assembleia Nacional, e acolhem escritórios de várias empresas privadas.
A apreensão aconteceu na sequência de uma outra de mais de mil imóveis inacabados, edifícios, estaleiros e terrenos na urbanização Vida Pacífica e no Kilamba, arredores de Luanda, que se encontravam na posse das empresas chinesas China International Fund, Limited (CIF Hong Kong) e China International Fund, Limitada (CIF Angola).
Estes imóveis terão sido pagos com fundos públicos, mas não estavam na esfera patrimonial do Estado. Recorde-se que, segundo a declaração de bens e património de João Lourenço, o Presidente do MPLA nunca beneficiou de fundos públicos para constituir o seu humilde e pobre património.
Em Abril de 2019, a PGR (João Lourenço) já tinha anunciado a recuperação de 262 milhões de euros ao consórcio CIF Angola, na qualidade de entidade gestora do projecto de construção do novo Aeroporto Internacional de Luanda.
A CIF Limited é uma empresa privada chinesa com sede em Hong Kong e um escritório em Pequim, fundada em 2003 para financiar projectos de reconstrução nacional e desenvolvimento de infra-estruturas nos países em desenvolvimento, principalmente em África.
Em Angola, participou na construção de vários empreendimentos sociais e detém vários empreendimentos, incluindo uma fábrica de cimento, na localidade de Bom Jesus, em Luanda.
Segundo um relatório do centro de estudos britânico Chatham House, publicado em 2009, a CIF teria ligações à China Angola Oil Stock Holding Ltd, que negociaria com o petróleo angolano através da China Sonangol International Holding.
Entre os directores da China Sonangol International Holding estaria Manuel Vicente, ex-presidente da petrolífera estatal angolana e ex-vice-Presidente de Angola.
Recorde-se que o Presidente da República, também presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo, desafiou, numa entrevista ao jornal português Expresso, o seu ex-patrono e mentor (entretanto já falecido), José Eduardo dos Santos, a denunciar os corruptos. Para João Lourenço, são esses os traidores da pátria. E esses são apenas os que não estão ainda rendidos aos encantos do novo “querido líder”…
É claro que João Lourenço é, também no contexto angolano mas sobretudo do MPLA, uma figura impoluta, íntegra e honorável que nada tem a ver com traidores ou corruptos. Desde logo porque é um general e um político que chegou a Angola há meia dúzia de dias.
João Lourenço diz esperar que a impunidade “tenha os dias contados” em Angola. Insiste na “moralização” da sociedade angolana. Estará a ser ingénuo, imprudente, suicida, estratega ou traidor? Se calhar, fazendo a simbiose de tudo isto, está apenas a gozar com a nossa chipala e fazer de todos nós… matumbos.
O Presidente diz (ou dizia) ser necessária a “moralização” da sociedade, com um “combate sério” a práticas que “lesam o interesse público” para garantir que a impunidade “tenha os dias contados”.
É verdade. Mas é verdade há muitos anos e a responsabilidade é do MPLA, partido no qual João Lourenço “nasceu”, cresceu, foi e é dirigente. Então, durante todos esses anos (47), o que fez João Lourenço para combater as práticas que “lesam o interesse público”?
“No quadro da necessidade de moralização da nossa sociedade, importa que levemos a cabo um combate sério contra certas práticas, levadas a cabo quer por gestores quer por funcionários públicos. Práticas que, em princípio, lesam o interesse público, o interesse do Estado, o interesse dos cidadãos que recorrem aos serviços públicos”, disse João Lourenço.
“Esperamos que a tão falada impunidade nos serviços públicos tenha os dias contados. Não é num dia, naturalmente, que vamos pôr fim a essa mesma impunidade, mas contem com a ajuda de todos e acreditamos que, paulatinamente, vamos, passo a passo, caminhar para a redução e posteriormente a eliminação da chamada impunidade”, diz João Lourenço.
João Lourenço admite que o “MPLA tem consciência de que muito ainda há a fazer e que nem tudo o que foi projectado foi realizado como previsto”. Por outras palavras, se ao fim de 47 anos de poder, 20 de paz total, o MPLA só conseguiu trabalhar para que os poucos que têm milhões passassem a ter mais milhões, esquecendo os muitos milhões que têm pouco… ou nada, talvez seja preciso manter o regime do MPLA mais 53 anos no poder.